domingo, 28 de fevereiro de 2016

Sobre todas as leis





Gabriel Vilarreal | São Paulo - 26/02/2016 - 14h47 

Planejamento, transparência, equilíbrio e cumprimento de metas não têm sido o forte das leis orçamentárias nos últimos anos




A primeira vez que tive contato com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi no início de 2008 ao escrever um artigo acerca da evolução dos gastos públicos e aumento da carga tributária, avaliando a qualidade do superavit primário tão falado à época.

A LRF encantou logo na primeira leitura. Imagine um sistema balanceado de previsão de despesas e receitas, de limites percentuais de gastos, de mecanismos de compensação de perdas de receitas ou aumento de despesas. O sistema da LRF é simples e ao mesmo tempo eficiente, limitando gastos e impedindo o desequilíbrio das contas públicas. Se respeitada, não tem como dar errado. Se respeitada.

Logo em seu artigo 1º a LRF prevê que “a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas”.
Contudo, planejamento, transparência, equilíbrio e cumprimento de metas não têm sido o forte das leis orçamentárias nos últimos anos. O Brasil vive um momento de profunda perda de credibilidade perante o mundo a se refletir nos sucessivos rebaixamentos dados pelas agências de classificação de risco que culminaram na perda do grau de investimento.

As previsões do Governo são tidas como base para decisões por agentes econômicos internacionais. Porém ao longo dos anos o Governo vem frustrando sucessivamente as próprias previsões. Os números mudam constantemente. As previsões de crescimento caem ao longo do ano e a cada dois meses são “reavaliadas”, sempre para menos. A inflação corrói a moeda nacional e é sempre “reavaliada” para mais. Em 2015, por exemplo, um superávit previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de R$ 66 bilhões se tornou um déficit de quase R$ 120 bilhões. Para 2016, a LDO prevê superávit de R$ 30 bilhões. O que esperar então?

O descontrole das contas públicas vai além das “pedaladas fiscais” do passado. Este tema, por mais que suscite calorosos debates, contém texto expresso na LRF: “é proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”.

Para 2016, o Governo prevê na estimativa de receita a inclusão de valores de venda de novos títulos a serem emitidos para refinanciamento da dívida pública federal, no singelo valor de R$ 885 bilhões. Em termos financeiros, o Governo continua pedalando (emitindo títulos novos para pagar títulos antigos), mas desta vez usando uma prerrogativa prevista na LRF. Estes R$ 885 bilhões serão pagos com juros, juros estes a constituir mais despesas a onerar o orçamento nos próximos anos, recaindo sobre os ombros já cansados do contribuinte.

Mais ainda, a perda de credibilidade do Governo e a certeza de déficit (contrariamente ao superávit previsto na LDO) aumenta o grau de risco dos títulos públicos brasileiros, forçando o Governo a oferecer um prêmio maior ao comprador do título, na forma de juros mais altos. Ou seja, mais despesa a ser paga às custas da arrecadação tributária de uma economia estagnada que sacrifica o contribuinte para alimentar o descontrole do Governo. E como não podia deixar de ser, todo este cenário gera repercussões ao bolso do brasileiro na forma de aumento de carga tributária.

Encerramos o ano de 2015 com a elevação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras de 15% a 20%. O discurso pregou que se trataria da tributação do capital financeiro, preservando a população. Na prática, o custo certamente será repassado na forma de taxas mais altas para o cliente bancário.

Logo em janeiro, a não renovação da isenção de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) para remessas ao exterior ocupou as pautas jornalísticas. Insaciável e em crise de abstinência de arrecadação, o Governo busca socorro em toda e qualquer receita que exista. E que não exista também!

O orçamento de 2016 foi aprovado contendo a previsão de arrecadação da malfadada Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), independentemente da situação legislativa do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) pelo qual buscam reintroduzir esta anomalia na vida do brasileiro. A inexistente CPMF dá lastro orçamentário a despesas do Governo como se efetivamente existisse. Vale lembrar que, mesmo aprovada, a CPMF deverá aguardar o prazo de 90 dias para poder ser exigida. Assim sendo, mesmo que aprovada imediatamente, a CMPF perderia praticamente metade de seu potencial arrecadatório para 2016.

O reequilíbrio das contas públicas passa obrigatoriamente pelo corte das despesas como mecanismo de compensação pela perda de arrecadação. Em que pese os constantes anúncios, nada de substancial ou relevante se materializa. Enquanto isto, o brasileiro paga a conta na forma de alta da carga tributária e dos juros para fazer frente a problemas aos quais não deu causa.

Gabriel Hernan Facal Vilarreal é advogado, sócio do escritório Villarreal, pós-graduado em Direito Tributário pela PUC de São Paulo e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

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